segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

as palavras que reforçam a azia que sinto!

A Carta da Paixão

"Esta mão que escreve a ardente melancolia da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora a têmpora ateia a sumptuosidade do coração.
A demência lavra a sua queimadura desde os seus recessos negros onde se formam as estações até ao cimo, nas sedas que se escoam com a largura fluvial da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas e o silêncio todo branco.
Os dedos.

A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua alumia-se:
O mel escurece dentro da veia jugular talhando a garganta.
Nesta mão que escreve afunda-se a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas obscuras,
essa lua tece as ramas de um sangue mais salgado e profundo.
E o marfim amadurece na terra como uma constelação.
-
O dia leva-o, a noite traz para junto da cabeça: essa raiz de osso vivo.
A idade que escrevo escreve-se num braço fincado em ti,
uma veia dentro da tua árvore.
Ou um filão ardido de ponto a ponta da figura cavada no espelho.
Ou ainda a fenda na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaços a desarrumação das imagens.
-
E trabalha em ti o suspiro do sangue curvo,
um alimento violento cheio da luz entrançada na terra.
As mãos carregam a força desde a raiz dos braços a força manobra os dedos ao escrever da idade,
uma labareda fechada, a límpida ferida que me atravessa
desde essa tua leveza sombria como uma dança até ao poder com que te toco.
-
A mudança. Nenhuma estação é lenta quando te acrescentas na desordem,
nenhum astro é tao feroz agarrando toda a cama.(...)
As palavras que escrevo correndo entre a limalha.
A tua boca como um buraco luminoso, arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
-
A paixão é voraz, o silêncio alimenta-se fixamente de mel envenenado.
E eu escrevo-te toda no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescemos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a entre os braços.
-
E há roupas vivas, o imóvel relâmpago das frutas.
O incêndio atrás das noites corta pelo meio o abraço da nossa morte.
Os fulcros das caras um pouco loucas engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
-
A doçura mata.

A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insônia como o aroma entre os tendões da madeira fria.
És uma faca cravada na minha vida secreta.
E como estrelas duplas consanguíneas,luzimos de um para o outronas trevas."
[herberto helder]
<...Pi...>

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